Nos últimos anos, a neurociência tem avançado em uma velocidade impressionante, não só ao entender como o cérebro humano funciona, mas também ao integrar novas tecnologias que estão moldando o futuro da pesquisa cerebral. A inteligência artificial (IA), por exemplo, já está interagindo com a neurociência de formas que poderiam transformar a medicina, a educação e até o comportamento humano. Em seu novo livro, “Existo,Logo Penso – Histórias de um Cérebro Inquieto”, o neurocientista Roberto Lent examina como essas tecnologias disruptivas podem influenciar a nossa compreensão do cérebro, ao mesmo tempo em que levantam questões filosóficas e éticas sobre a própria natureza da inteligência.
Para Lent, o cérebro humano e a IA não podem ser vistos como entidades comparáveis de forma simplista. Embora as máquinas possam simular comportamentos inteligentes, ele acredita que o cérebro humano continua sendo incomparavelmente mais complexo. “O que é inteligência?”, questiona o autor, apontando a diferença fundamental entre o processamento de informações pelas máquinas e a maneira como o cérebro humano lida com a emoção, a intuição e a memória. De acordo com ele, a neurociência não deve apenas buscar respostas sobre como o cérebro funciona, mas também se debruçar sobre os impactos da IA em nossa sociedade, questionando como a tecnologia pode interagir com o cérebro humano.
Além disso, Lent destaca o campo emergente do neuromarketing, que utiliza os avanços da neurociência para estudar como o cérebro responde a estímulos comerciais, como produtos, embalagens e campanhas publicitárias. Isso levanta uma nova preocupação: até onde a ciência pode ir ao explorar o cérebro para influenciar comportamentos de consumo? Em um cenário cada vez mais permeado pela tecnologia, ele alerta para a necessidade de um olhar ético sobre o uso desses conhecimentos.
Esse é apenas um dos muitos tópicos instigantes que Roberto Lent aborda em “Existo, Logo Penso”, um livro que busca descomplicar a neurociência e levar o leitor a uma viagem de reflexão sobre o funcionamento do cérebro, suas emoções, memórias e o impacto da tecnologia.
O título do livro de Lent brinca com a famosa frase de René Descartes, Cogito, ergo sum (“Penso, logo existo”), questionando a ideia de que o pensamento é a base da nossa existência. Para o neurocientista, é o cérebro que nos faz pensar e, portanto, é ele que define nossa existência. Ao longo das crônicas, Lent explora como o cérebro reage a diferentes experiências de vida — desde momentos de saudade até a formação das memórias mais profundas — e como as descobertas da neurociência podem explicar essas experiências.
“Minha intenção foi entrelaçar histórias da minha vida e da minha geração com temas da neurociência contemporânea”, explica Lent. O resultado é um livro que, ao mesmo tempo em que mergulha nas questões mais complexas da neurociência, se conecta com o leitor através de reflexões pessoais e universais sobre o ser humano.
“O cérebro faz uma triagem do que vale a pena lembrar”
Uma das crônicas mais tocantes do livro aborda a neurociência da saudade, explorando como o cérebro lida com essa emoção complexa. Para Lent, a saudade não é apenas uma sensação nostálgica, mas um processo biológico que envolve a ativação de diferentes redes cerebrais. Ele compartilha experiências pessoais de como a música, por exemplo, pode ter diferentes significados emocionais dependendo do contexto de vida. A saudade, então, não é apenas um sentimento, mas uma construção neural ligada à forma como as memórias são processadas no cérebro.
Memórias e envelhecimento: o cérebro em transformação
Lent também se dedica a explicar como o cérebro armazena e processa as memórias ao longo da vida. Ele desafia a ideia de que o cérebro humano possui um limite rígido para armazenar informações. “O cérebro faz uma triagem do que vale a pena lembrar”, afirma. À medida que envelhecemos, nossa capacidade de recordar informações pode diminuir, mas Lent lembra que a memória do idoso é, na verdade, mais “cristalizada”, com um banco de dados de experiências muito mais rico do que o de um jovem — embora com menor agilidade para acessar essas memórias.
A conexão entre cérebro e educação
O livro aborda como a neurociência pode transformar o campo educacional. Lent argumenta que a neurociência pode ajudar a otimizar os métodos de ensino, levando em conta a plasticidade cerebral e a importância do ambiente social para o desenvolvimento cognitivo das crianças. A ideia central é que a educação não deve se basear apenas na transmissão de conteúdos, mas também no estímulo ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e emocionais de forma integrada.
A morte: fim ou a transição?
A morte também é uma questão central no livro, e Lent se dedica a discutir a forma como a neurociência lida com o fim da vida e os limites do cérebro. Ele explica que, ao longo da história, a definição de morte tem evoluído. Se antes a parada do coração era vista como o fim da vida, hoje sabemos que a morte cerebral — a cessação das atividades do cérebro — é o critério utilizado para definir o fim biológico de uma pessoa. Mas, como Lent nos lembra, a morte é um processo gradual, e a transição entre a vida e a morte ainda é cercada de mistérios. “Não sabemos exatamente como é essa transição”, diz ele.
Olhando para o futuro, Lent vê o potencial da neurociência sendo profundamente influenciado pelas novas tecnologias, como a inteligência artificial, as interfaces cérebro-máquina e a neuroengenharia. Ele acredita que essas inovações não apenas abrirão novas fronteiras para o tratamento de doenças neurológicas, mas também nos permitirão entender mais profundamente a natureza da mente humana.
De acordo com o autor, uma das questões mais urgentes que os neurocientistas precisarão responder nos próximos anos é como a tecnologia pode ser usada de forma ética para beneficiar a sociedade sem infringir os direitos individuais. Em um mundo cada vez mais dependente de tecnologias inteligentes, a neurociência precisa estar atenta aos riscos e às oportunidades que surgem no horizonte.
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