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Fígado gorduroso: entenda essa grave doença que está ligada ao estilo de vida

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Arte Jornal da USP

A esteatose hepática, popularmente conhecida como fígado gorduroso, é a mais frequente doença que atinge o órgão na atualidade. De acordo com a Sociedade Brasileira de Hepatologia, ainda não há tratamento que não seja evitar os fatores de risco, como obesidade.

A patologia é caracterizada por um excesso de gordura no fígado, órgão responsável principalmente pelo metabolismo de nutrientes. 

Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) se debruçaram sobre a doença, em busca de entender os mecanismos moleculares de metabolismo das células de pessoas afetadas por essa condição.

Os especialistas descreveram – no nível molecular – o que ocorre no início da doença, e revelaram que as mitocôndrias, organelas celulares com papel central no metabolismo de moléculas de gordura (lipídios), comportam-se de forma diferente do que se pensava até então: mesmo fragmentadas, não deixam de exercer sua função. 

“Entender o envolvimento das moléculas é essencial para progredir no desenvolvimento de tratamento de doenças, isso traz novas ideias de como desenvolver novos fármacos”, afirma Alicia Kowaltowski, professora do IQ que orientou a pesquisa “Quais mecanismos metabólicos envolvidos no fígado gorduroso?” Os resultados foram divulgados pelo jornal da USP nesta semana. Já o artigo científico, intitulado “Increased glycolysis is an early consequence of palmitate lipotoxicity mediated by redox signaling” foi publicado neste mês, na plataforma Science Direct. 

A pesquisa teve apoio do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e colaboração do professor Antonio Zorzano, no Instituto de Pesquisa em Biomedicina de Barcelona, Espanha. 

As pesquisadoras buscaram analisar os mecanismos metabólicos envolvidos no começo da alterações causadas por essas gotículas de gordura nos hepatócitos, antes dos estágios mais avançados da doença. 

O destaque foi dado às mitocôndrias, organelas centrais no metabolismo do fígado, que atuam na degradação de lipídios e na produção de uma forma de energia assimilável ao organismo, o trifosfato de adenosina, conhecido como ATP. 

Para isso, as cientistas simularam a condição de fígado gorduroso em um modelo in vitro, ao usar hepatócitos e sobrecarregá-los com palmitato, um ácido graxo, assemelhando-se ao cenário de excesso de gordura no tecido. 

Em um período de seis horas de estímulo, as mitocôndrias estavam fragmentadas, assim como a rede que as interliga na célula, e adotaram o formato redondo, ao invés do característico formato achatado, similar a um grão de feijão. de doutorado de Pâmela Kakimoto.  

Da esquerda para a direita, Pâmela Kakimoto, Julian Serna (segundo autor) e Alicia Kowaltowski – Foto: Alicia Kowaltoswski

Segundo o Jornal da USP, o acúmulo de lipídios nas células hepáticas, chamadas de hepatócitos, compromete o bom funcionamento do órgão, cuja função principal é metabolizar, isto é, fazer dos nutrientes ingeridos na alimentação moléculas diferentes e, portanto, passíveis de serem usadas pelo organismo. 

As causas comuns desse distúrbio são por consumo excessivo de álcool e por cenários ligados a diabete, sobrepeso, sedentarismo e má alimentação, quando é chamada de Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA), que atinge até 30% da população global, sendo o foco do estudo.

Ao jornal da universidade, a pesquisadora Pamela explicou que o fígado gorduroso (esteatose) pode evoluir para esteatoepatite, definida pela inflamação, que, por sua vez, tem risco de se tornar cirrose, com a perda da função do órgão, e chegar ao estágio mais avançado, o câncer. 

Esteatose hepática é uma doença silenciosa e mortal

A doença, de difícil diagnóstico, tende a ser silenciosa. “Com a falta de tratamento farmacológico, a preocupação é que cada vez mais pacientes precisem de transplante, sendo que se trata de uma doença ligada à obesidade, que cresce na população”, completa. 

Segundo Pâmela, até então, na biologia, acreditava-se que a morfologia da mitocôndria estava essencialmente ligada a sua função e, portanto, sua fragmentação e mudança de formato comprometeriam seu funcionamento, mas não foi isso o que os resultados revelaram. 

Pelos parâmetros avaliados, a produção de ATP não sofreu alteração, isto é, a função da mitocôndria se manteve em níveis normais. “Isso é inédito e surpreendente: mesmo fragmentadas, as mitocôndrias estavam funcionando muito bem”, completa Alicia. 

Em contrapartida, a produção de ATP fora das mitocôndrias, que é uma forma secundária de produção energética, aumentou, resultado que surpreende. “Normalmente, quando uma diminui, a outra aumenta e vice-versa. Mas, nesse caso, a produção mitocondrial se manteve e a de fora aumentou”, conta Pâmela.

Além de fornecerem energia para as células, as mitocôndrias atuam na regulação de radicais livres, que são derivados desse processo de respiração celular e podem levar ao envelhecimento e morte celular.

O estudo identificou que os radicais livres (oxidantes) mitocondriais estão envolvidos na sinalização e regulação no metabolismo de glicose fora das mitocôndrias, relação também não esperada pela clássica separação entre o metabolismo de glicose, que é um carboidrato, e de lipídio, que é gordura, nas células.

Através de manipulações laboratoriais com células vivas, as pesquisadoras mostraram que o nível de toxicidade gerado pelo excesso de lipídios altera o balanço entre oxidantes e antioxidantes e esse, por sua vez, interfere na degradação de glicose. 

Quando diminuídas e aumentadas as produções de oxidantes nas mitocôndrias, altera-se a produção de ATP glicolítica: “Os resultados mostram um mecanismo de regulação de glicose nunca descrito antes”, afirma Alicia. 

O estudo avança no entendimento da regulação metabólica no organismo, inclusive da síndrome metabólica, que descreve um conjunto de fatores de risco à saúde relacionados ao acúmulo de lipídios e glicose, desde diabete a doenças cardiovasculares e a própria doença do fígado gorduroso. 

Também ao Jornal da USP, A pesquisadora Alicia destaca que, apenas ao se entender o mecanismo molecular, forma-se base para, futuramente, contribuir no desenvolvimento de medicamentos. “Sem ciência básica, não se progride”, afirma. 

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