
Estudos recentes reforçam que o intestino tem papel fundamental na saúde mental e cognitiva – e abre caminho para novas formas de diagnóstico e tratamento. Por muito tempo considerado apenas um órgão digestivo, o intestino tem ganhado destaque na ciência por algo surpreendente: sua íntima conexão com o cérebro. Essa via de comunicação, chamada de eixo intestino-cérebro, permite que um influencie o funcionamento do outro. Em outras palavras, o que acontece no intestino pode afetar diretamente o humor, a memória, o sono e até o surgimento de doenças neurológicas.
Pesquisas reunidas em uma nova série de estudos publicada na revista científica Nature Scientific Reports mostram que esse eixo bidirecional funciona por meio de caminhos imunológicos, hormonais e até nervosos – em especial, através do nervo vago. E essa relação pode ser a chave para entender e tratar doenças como a Doença de Parkinson, Alzheimer, obesidade, transtornos de ansiedade e depressão.
“Hoje sabemos que o intestino pode influenciar o cérebro de forma direta, inclusive antes que os sintomas neurológicos apareçam”, explica o pesquisador Dr. Michael Bindas, autor de um dos estudos da série. “No caso do Parkinson, por exemplo, sinais no sistema digestivo podem surgir décadas antes.”
Um “segundo cérebro” dentro do corpo
A ideia de que o intestino é um “segundo cérebro” não é nova. Desde o século XIX, pesquisadores notam que estados emocionais alteram a digestão. Agora, a ciência tem mostrado que a microbiota intestinal – conjunto de trilhões de bactérias que vivem no nosso intestino – tem influência direta no funcionamento do sistema nervoso central.
Estudos com animais demonstraram, por exemplo, que proteínas associadas ao Parkinson podem se formar no intestino e migrar para o cérebro ao longo do tempo. Isso pode explicar por que muitos pacientes desenvolvem sintomas digestivos décadas antes dos sintomas motores. A hipótese de que a Doença de Parkinson começa no intestino ganhou força e vem sendo testada com novas tecnologias.
“A microbiota intestinal tem um papel muito mais amplo do que se imaginava. Ela participa da regulação de comportamentos, emoções e até mesmo de processos cognitivos como memória e aprendizagem”, diz a neurocientista Dra. Ceymi Doenyas, coautora de outro estudo citado na coleção.
O intestino também sente
A ligação entre o eixo intestino-cérebro e a saúde mental é outro campo em expansão. Há indícios de que pessoas com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) ou ansiedade tenham microbiotas diferentes, e que essa alteração contribua para os sintomas. O mesmo vale para distúrbios do sono e a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que hoje é considerada uma disfunção da comunicação intestino-cérebro.
Outro ponto curioso: durante a pandemia de COVID-19, muitas pessoas relataram sintomas cognitivos persistentes – a chamada “névoa cerebral”. Alterações na microbiota intestinal após a infecção pelo coronavírus podem ser uma das causas, e dietas específicas, ricas em fibras, probióticos e prebióticos, vêm sendo estudadas como possíveis formas de tratamento.
Inteligência artificial no diagnóstico
A tecnologia também tem sido uma aliada nesse campo. Pesquisadores utilizaram algoritmos de aprendizado de máquina para analisar dados de microbiota intestinal e imagens cerebrais. Com essas informações, conseguiram distinguir, por exemplo, pessoas obesas de pessoas com sobrepeso com alta precisão – o que abre portas para diagnósticos mais precisos e individualizados.
Outros estudos mostraram que a qualidade do sono pode melhorar com o consumo de cepas específicas de bactérias benéficas, chamadas psicobióticos. Além disso, há evidências de que o intestino influencia áreas do cérebro responsáveis pela regulação emocional, memória e motivação.
Impacto na saúde pública
A obesidade, considerada um dos maiores desafios de saúde global, também pode estar relacionada ao eixo intestino-cérebro. Pesquisadores conseguiram diferenciar cérebros de pessoas obesas e com sobrepeso a partir da análise da microbiota intestinal usando inteligência artificial.
“A grande descoberta é que obesidade e sobrepeso não são apenas estados diferentes de acúmulo de gordura, mas condições com padrões cerebrais distintos, influenciados por microrganismos do intestino”, aponta o pesquisador Dr. Vadim Osadchiy.
Além disso, durante a pandemia de COVID-19, pesquisadores notaram que alterações no microbioma intestinal podem ter contribuído para a chamada “névoa cerebral”, um dos sintomas persistentes da COVID longa.
Novos caminhos para a medicina
A aplicação de tecnologias como o aprendizado de máquina pode ajudar a identificar padrões precoces de doenças e, futuramente, personalizar tratamentos com base na microbiota de cada indivíduo.
“O futuro do diagnóstico pode passar pelo exame da microbiota intestinal, combinando dados genéticos, comportamentais e cerebrais. É uma revolução silenciosa que está começando”, afirma a pesquisadora Dra. Emma Patterson, que estuda os efeitos de probióticos na qualidade do sono e da energia social.
Leia o artigo completo publicado na Nature clicando aqui
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