
Quem já sofreu com dor muscular que não passa sabe o quanto isso pode afetar o bem-estar, o sono, o humor e até a disposição para as tarefas mais simples do dia a dia. A transição de uma dor aguda, causada por lesões ou inflamações, para um quadro crônico e persistente é um problema comum e muitas vezes silencioso — mas a ciência brasileira acaba de dar um passo importante para combatê-lo.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou um dos mecanismos pelos quais o exercício físico atua como fator protetor contra a cronificação da dor muscular. A pesquisa, publicada na revista científica PLOS ONE, mostra que a prática regular de exercícios pode impedir que inflamações temporárias evoluam para dores duradouras — tudo graças à forma como o movimento influencia o nosso sistema imunológico.
Como o exercício previne a dor crônica?
O grupo liderado pela pesquisadora Maria Cláudia Gonçalves de Oliveira, coordenadora do Laboratório de Estudos em Dor e Inflamação (Labedi), investigou a ação de células chamadas macrófagos, responsáveis por responder a lesões musculares. Eles descobriram que um receptor presente nessas células, o P2X4, pode acionar uma cascata de eventos que perpetuam a dor. “Observamos que a ativação da via de sinalização do P2X4 no macrófago é prevenida pelo exercício físico, evitando o processo de transição da dor aguda para a crônica”, explica Oliveira.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores treinaram camundongos em um protocolo de natação progressiva, cinco dias por semana, durante quatro semanas. Depois disso, os animais foram submetidos a uma lesão muscular inflamatória, com potencial para gerar dor persistente. A surpresa foi que, nos animais que se exercitaram antes da inflamação, o processo de cronificação não ocorreu.
A explicação está em outra molécula: o PPAR-Gama, receptor que atua como um regulador anti-inflamatório. O exercício físico foi capaz de ativar esse receptor e, com isso, impedir a ação do P2X4 — bloqueando o ciclo de inflamação e dor. “Essa descoberta reforça que o exercício físico não é apenas benéfico para o corpo como um todo, mas também tem efeitos profundos na regulação da dor”, afirma a pesquisadora.
Implicações para o tratamento da dor
Os achados do estudo não são apenas acadêmicos. Em países como Estados Unidos e Canadá, o uso excessivo de opioides (analgésicos potentes e altamente viciantes) criou uma verdadeira crise de saúde pública. Diante disso, buscar alternativas seguras e eficazes para o controle da dor é um dos grandes desafios da medicina atual.
“Compreender como o exercício atua na prevenção da dor abre portas para o desenvolvimento de medicamentos mais específicos, que atuem em sinergia com a atividade física”, destaca Oliveira. A ideia é que, no futuro, possamos ter protocolos personalizados que combinem movimento e fármacos de forma mais eficaz e segura.
Benefícios do exercício vão muito além da dor
Além de atuar diretamente na modulação da dor, a prática regular de exercícios físicos traz diversos benefícios já bem documentados pela ciência:
• Reduz a inflamação sistêmica
• Fortalece músculos e articulações
• Melhora a circulação sanguínea
• Estimula a liberação de endorfinas, que reduzem o estresse e a percepção da dor
• Ajuda a prevenir doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e obesidade
• Melhora a saúde mental, combatendo sintomas de depressão e ansiedade
A recomendação é que os exercícios sejam realizados de forma orientada e progressiva, respeitando as limitações de cada pessoa e, preferencialmente, com acompanhamento profissional.
Prevenção: o melhor caminho
Segundo os pesquisadores, a fase inicial da inflamação é o período crítico para evitar a cronificação da dor. Isso significa que adotar uma rotina de exercícios antes de uma lesão — ou mesmo como parte do cotidiano saudável — pode ter um papel preventivo essencial.
“A fase aguda da inflamação, caracterizada pela ativação de vias inflamatórias, representa um momento-chave para intervenção. O exercício se mostra, portanto, uma estratégia não apenas terapêutica, mas preventiva”, reforçam os autores no artigo.
O estudo contou com apoio da Fapesp e pode ser lido na íntegra neste link.
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